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Número 23 – Artículo 4

Reflexões sobre a participação do amor na formação da pessoa humana

 

Ana Lucia Nogueira Braz [A]

Universidade São Francisco

São Paulo; Brasil

 

 

Resumo

O objetivo deste artigo é fazer uma reflexão sobre a participação do amor na formação da pessoa humana, buscando conhecer e indicar os principais aspectos que configuram o amor, compreender qual sua participação na formação individualidade da pessoa, em nossa sociedade contemporânea. Pretende-se especificamente refletir sobre a participação do amor no desenvolvimento infantil e sua influencia na formação da personalidade. Este artigo foi desenvolvido a partir da revisão de alguns autores da psicologia e da etologia, utilizando a pesquisa bibliográfica como método. Assim, foi possível observar que diferentes autores ressaltam a importância do amor na constituição da pessoa humana e que ele participa ativamente do nascimento ontogênico do ser. Com isso, concluiu-se que ligação afetiva forte, estabelecida no início do desenvolvimento da espécie humana entre dois ou mais indivíduos, é sua fonte de vida individual e social. Tais constatações nos deixaram entusiasmadas e motivadas a prosseguir no caminho da compreensão da essência do amor, pois percebemos de forma mais clara sua importância na formação e desenvolvimento da pessoa. Contudo, ainda estamos muito longe de desvendar os mistérios do amor, pois sabemos que ele é muito complexo, subjetivo e possui inúmeras vertentes, dimensões e tipologias. Por isso, podemos dizer apenas que demos inicio a sua revelação.

Palavras-chave: amor, formação da pessoa humana, humanismo

Resumen

El objetivo de este artículo es hacer una reflexión sobre la participación del amor en la formación de la persona humana, buscando conocer e indicar los principales aspectos que configuran el amor, comprender cuál es su participación en la formación individual de la persona en la sociedad contemporánea. Se pretende reflexionar específicamente sobre la participación del amor en el desarrollo infantil y su influencia en la formación de la personalidad. Este artículo fue desarrollado a partir de la revisión de algunos autores de la psicología y de la etología utilizando la investigación bibliográfica como método. Así, fue posible observar que diferentes autores resaltan la importancia del amor en la constitución de la persona humana y que él participa activamente del nacimiento ontogenético del ser. Con ello, se concluye que una fuerte relación afectiva, establecida en el inicio del desarrollo de la especie humana entre dos o más individuos, es su fuente de vida individual y social.

Palabras clave: amor, formación de la persona humana, humanismo

 

 

Introdução

Nosso intuito neste artigo é conhecer e indicar os principais aspectos que configuram o amor e compreender qual sua participação na formação da pessoa humana, em nossa sociedade contemporânea. Pretende-se especificamente refletir sobre a participação do amor no desenvolvimento infantil e sua influencia na formação da personalidade. Este artigo foi desenvolvido a partir da revisão de alguns autores da psicologia e da etologia como Edgar Morin, Bowlby, Cabada, Erik Erikson, Melaine Klein, René Spitz, entre outros, e pretende contribuir para o aprofundamento do debate sobre este tema.

 

Amor e a formação da pessoa humana

A evolução da espécie humana, segundo Morin (1979), Maturana (1998) e Montagú (1969), está diretamente ligada ao desenvolvimento, especialização e complexificação do cérebro, processo este fundamental para o salto qualitativo da espécie.

Este processo provocou o direcionamento das energias básicas para a evolução cerebral e suas consequências (perda de algumas defesas primárias, como garras e dentes afiados). Os recém-nascidos se tornaram mais dependentes dos adultos, principalmente, das mães. Houve, paralelamente, o aumento da capacidade de cognição e inteligência. Mesmo com alguns instintos de defesa desativados, a espécie continuou crescendo, pois com a inteligência as redes de interações evoluíram propiciando a formação de grupos próximos coesos efetivando o sistema social da espécie Homo Sapiens.

Dessa forma, a fragilidade inicial da espécie humana, sobretudo, na primeira infância, além do papel do amor nesta fase tão fundamental de crescimento, vai ser o foco central neste artigo.

Baseando-se ainda nessa fragilidade inicial (ausência de especialidades e dependência total do adulto) que o bebê foi adquirindo ao longo da escala evolutiva, afirmamos que a presença de um outro ser (sua proteção, cuidado, carinho, ternura e amor), forneceu condição para o progresso. A espécie humana teve como característica fundamental de sobrevivência a presença ativa, afetiva e cuidadosa de uma outra pessoa, o que equivale dizer que todos nós dependemos das relações com o outro para evoluir.

Estudos sobre a evolução do Homo Sapiens começaram a ter a atenção, não só do etólogos, mas de médicos, psicólogos, sociólogos e antropólogos. Um importante antropólogo de uma corrente da antropologia filosófica, afirma que o bebê humano, logo após o parto, é extremamente imperfeito, podendo-se até dizer que ele nasce de forma pré-matura, ou seja, como se estivesse apenas com sete meses, necessitando terminar seu desenvolvimento de forma extrauterina. Logo, precisa de cuidados extremos, visto que, ao nascer o homem apresenta estruturas nervosas, imunológicas e enzimáticas imaturas, assim como ausência de dispositivos de integração entre o organismo com o mundo ao seu redor, fazendo com que seja bastante frágil e dependente.

Neste sentido, a relação de amor estabelecida com a mãe, ou adulto cuidador, no primeiro ano de vida extrauterina, é muito importante para o progresso biológico, fisiológico e psicológico da espécie humana, pois a formação desse novo ser deve ser completa, a partir dessas relações. A relação interpessoal da mãe com essa criança ganha muita importância na constituição de sua estruturação interna. Portanto, o ser humano chega a sua formação, enquanto indivíduo biológico, psicológico e social através das relações estabelecidas com as pessoas mais ligadas a ele, geralmente, a mãe e o pai. A especificação ou estruturação interna do bebê também acontece em função dos processos de cuidado da mãe, envolvendo o respeito pelas necessidades básicas de alimento, segurança, aceitação, afeto e amor. Sendo assim, o desenvolvimento de uma personalidade sadia é resultado, como já foi dito, do cuidado amoroso proporcionado por um ser que se preocupa e que gosta de um outro.

Segundo Cabada (1998), a mãe, quando estabelece tais vínculos com seus filhos, ao longo do primeiro ano de vida, possibilita o nascimento ontológico deles, ou seja, dá origem à existência interna e psicológica de seu filho. Por essa ótica, pode-se dizer que a pessoa que cuida é considerada a chave que propicia o início da vida psicológica e pessoal deste ser.

O comportamento de proteção à prole, como já dissemos, foi se aperfeiçoando, no decorrer de nossa evolução, e tornou-se fundamental. Os adultos, em especial as mães, aprimoraram os cuidados com seus dependentes e, assim, propiciaram-lhes o aumento da sobrevivência e evolução.

Tal comportamento evolutivo, segundo Bowlby (1984), que acompanha os seres humanos desde o nascimento até a morte é caracterizado pela necessidade de ligação intensa e persistente, essa conduta tem uma ordem clara de preferência e um forte envolvimento emocional, responsável pela criação dos vínculos afetivos. A propensão que o homem tem para estabelecer vínculos de cuidado, atenção e afeto, ou qualquer outra atitude que resulte numa proximidade, foi denominada pelo autor de “comportamento de apego”.

Bowlby (1984) acredita que esse comportamento de apego é fundamental para o desenvolvimento saudável da criança, principalmente nos três primeiros anos de vida, fase em que o desenvolvimento neurofisiológico está se completando. Essa posição é fortalecida por inúmeras pesquisas, que certificam que até os três anos acontece a formação básica do cérebro, chegando ao final desta idade com o volume do cérebro de um adulto, portanto, quase 90% do desenvolvimento deste órgão se dá até os três anos. No primeiro ano de vida 60%, ou dois terços do crescimento cerebral já está completo. Com base nestes dados pode-se dizer que, em tal momento da vida, o “comportamento de apego”, voltado a uma figura preferida e constante, é preponderante para que processo de evolução e amadurecimento da pessoa se efetue de maneira equilibrada e positiva.

Para Bowlby (1984) o “comportamento de apego” é constantemente ativado até os três primeiros anos de vida, depois disso não é mais com a mesma frequência. Neste período acontece a base da estruturação interna do indivíduo, é quando a criança vai formar sua história, formar seu Eu. Por meio da relação criada com a mãe, ela vai desenvolvendo sua capacidade linguística, seus comportamentos, seu amor e ternura. Tais experiências irão constituir os elementos essenciais para a formação da estrutura do self.

Assim, para Montagú (1981), a capacidade de amar está enraizada na biologia do nosso ser, no nosso sangue e no cérebro. Bowlby (1984) diz que essa capacidade de apego é inata, por meio dela, a espécie humana se manteve e a socialização aconteceu. É um estado complexo que inclui processos corporais e metabólicos associados aos sentimentos e desejos do ser humano.  Além disso, é um sentimento que persiste por toda a vida, sendo necessário também para a manutenção do equilíbrio emocional.

Bowlby (1984) defende a ideia de que existem três estilos de apego interferindo diretamente no crescimento do bebê e em sua estruturação interna. São eles: apego seguro, apego ansioso ambivalente e apego ansioso com evitação. Cada um deles tem características e consequências específicas:

a) O apego seguro surge no bebê quando a mãe está imediatamente disponível, é sensível aos sinais da criança, está sempre atenta às necessidades manifestadas por ela, apresentando respostas amáveis e confiáveis. Quando a mãe estabelece essa relação de cuidado, a criança, ao crescer, mostra-se exploradora do ambiente, confiante, segura, cooperativa, prestativa, amorosa para com outras pessoas.

b) O apego ansioso ambivalente evolui no bebê quando os pais se mostram prestativos e disponíveis em apenas algumas ocasiões, sendo que esta disponibilidade não se relaciona diretamente com as necessidades do filho, mas com as suas próprias. Nesses casos, a criança tende a apresentar grande medo da separação. Em geral, ela se apega a um dos pais e fica hesitante quando sai para explorar o mundo, por medo de ser abandonada. Com isso, a criança passa a não saber em quem, ou onde confiar, cresce de forma insegura. Por não confiar em si mesmo, mostra-se pouco exploradora, competitiva, indolente e pouco afetiva.

c) O apego ansioso com evitação ocorre quando os pais se apresentam distantes e mostram, com frequência, rejeição pelo bebê. Em geral, as crianças crescem inseguras, ansiosas, com baixo limiar para a manifestação de qualquer comportamento de ligação ou apego.

Como foi possível perceber, cada estilo de apego tende a gerar algumas consequências específicas no comportamento das crianças ao longo de toda sua vida.

Bowlby (1984) ressalta que, sendo a primeira infância a fase mais rica e sensível na vida do ser humano, as relações de apego estabelecidas nesta etapa são fundamentais para o desenvolvimento da capacidade de construir vínculos seguros, assim como para a sua segurança interna. Se, nesse momento, a criança não sentir que pode confiar em alguém, se não houver um apego seguro, haverá, provavelmente, um comprometimento da sua estrutura interna, gerando, no futuro, dificuldades afetivas em qualquer tipo de relacionamento interpessoal que venha a ser estabelecido.

Bowlby (1984) acredita que mães estimulantes, assim como os pais, que mostrem atenção, apoio, cooperação e afeto, certamente, servirão de referência ou modelo de comportamentos e relacionamentos futuros positivos. Se derem ao filho confiança para explorar seu ambiente, criando assim uma maior segurança em si mesmo, um senso de competência e estima elevada de forma equilibrada, proporcionarão condições bastante favoráveis para a formação da estrutura interna do bebê e, mais tarde, mesmo em circunstâncias adversas, a criança será capaz de manter-se equilibrada, pois sua base foi construída em alicerces consistentes, baseados no amor, carinho e confiança.

Ainda com relação aos estudos de Bowlby (1984), o eu (self) do adulto irá espelhar o que o bebê experienciou, como a vivência de proximidade, intimidade, afeto com os outros e, mais especificamente, com a mãe, pois a estrutura interna vai se construindo em virtude desse encontro afetivo, terno e configurador, com o outro no início da vida. Em outras palavras, esse encontro recebe o nome de Amor. Ele significa algo não teórico e não abstrato, visto que é uma vivência, uma experiência real, que acontece da mãe para a criança, ou seja, de fora para dentro e da criança para a mãe, numa troca intensa vivida diretamente com o outro. Tal sentimento surge em função da ternura, carinho, cuidado que a pessoa recebe e, em consequência, aprende a sentir e reconhecer-se como valiosa, digna e merecedora desse amor, que acontece de forma gratuita. Ao sentir-se amada, a criança poderá desenvolver toda a sua capacidade ativa de amar.

Bowlby (1984) deixa muito evidente não acreditar que o ser humano seja prisioneiro dessas relações estabelecidas com a mãe e pai, pois ele tem sua participação e responsabilidade nesta díade. A criança não é um agente passivo desta interação com o outro, pois suas reações “modelam” ou servem de guia para muitas das respostas dos adultos.

Vale ressaltar, que a importância dos primeiros vínculos estabelecidos entre a criança e seus pais, também foi defendida por Erik Erikson (1971), que salientou o valor e importância dos laços afetivos e positivos entre mãe e filho para o desenvolvimento da confiança, segurança interna e estruturação da personalidade. Esse estudioso acredita que é por meio do contato íntimo com o bebê, que a mãe apresenta o mundo externo a ele. Se esse contato ocorrer de maneira serena, afetiva e amorosa, o bebê será informado de que pode estar tranquilo e seguro para se desenvolver, pois tem quem o acolha e o defenda de qualquer problema que venha a enfrentar.

A confiança que a mãe transmite ao bebê, através do cuidado já mencionado, vai servir de suporte para a afirmação de sua identidade posterior. É a persistência, continuidade e uniformidade da experiência de confiança básica que irá proporcionar o sentimento rudimentar de identidade do ego, possibilitando que enfrente e supere o sentimento de divisão interna e de abandono com que nasce.

Para Erikson (1971), o desenvolvimento dessa confiança está diretamente ligado à uniformidade e continuidade da relação que os adultos estabelecem com as crianças. Se eles conseguem transmitir a segurança, conforto e bem estar, irão gerar a possibilidade da criança adquirir confiança em si mesma e a capacidade de enfrentar as dificuldades para a realização de seus desejos mais urgentes, ou suportar a não realização imediata dos mesmos. Porém, a ausência de confiança poderá promover retraimento e até depressão, desconfiança de si mesmo e dos outros, sentimento de abandono e dificuldade extrema para lidar com as frustrações.

Segundo o autor, o estabelecimento de padrões duráveis de afeto serve para solucionar o conflito confiança-desconfiança básica, que é a primeira tarefa do ego infantil, e o sucesso de tal tarefa estão diretamente ligados à relação estabelecida com o adulto cuidador.

As mães criam em seus filhos um sentimento de confiança por meio daquele tipo de tratamento que em sua qualidade combina o cuidado sensível das necessidades individuais da criança e um firme sentimento de fidedignidade pessoal dentro do arcabouço do estilo de vida da cultura. Isso cria na criança a base para um sentimento de identidade que mais tarde combinará um sentimento de ser aceitável, de ser ela mesma (Erickson, 1971, p. 229).

Esse sentimento de segurança que a criança vai adquirindo é um dos responsáveis pela organização e estruturação interior da pessoa, pelo fato de exercer uma influência muito grande em todo o processo de desenvolvimento da personalidade, assim como em todos os relacionamentos estabelecidos ao longo da vida.

Melaine Klein, analista britânica de origem Austríaca, dando continuidade a essa ideia, acredita que através da relação íntima que se estabelece com o filho, a mãe, além de amada, é também o primeiro objeto de ódio da criança.

A figura materna, ao satisfazer as necessidades básicas de seu filho, é amada. Entretanto, quando as sensações de fome e de dor aparecem, esta passa a ser, na mesma proporção, odiada, e o bebê tenta agredi-la. Esses sentimentos agressivos são despertados na criança no momento em que sente qualquer desconforto. Isso ocorre porque a mãe é a primeira figura com quem o bebê fixa seus primeiros relacionamentos. Assim, quando o bebê está incomodado ou em um estado, extremamente, penoso de dor, é a mãe quem surge, de forma mais imediata, para livrá-lo desse mal estar, promovendo, ou não, o retorno ao bem estar, que remete à sensação de confiança, ou insegurança.

Por ser a mãe a primeira responsável pela preservação da vida, seu papel, na mente do bebê, é fundamental para o relacionamento com o mundo e consigo mesmo. Tal função é exercida, geralmente, pela mulher, embora o homem (como pai), também exerça papel bastante importante na vida emocional da criança, e irá igualmente influenciar os relacionamentos de amor estabelecidos posteriormente, ao longo da vida.

O bebê, segundo Klein e Riviere (1970), quando tem suas necessidades primárias saciadas depois de receber os cuidados de sua mãe, começa a interagir com ela e, mais tarde, com o mundo, estabelecendo relações positivas e amorosas. No entanto, quando o bebê sente dor e incômodo, surge o ódio pela mãe que é considerada responsável pela dor. Consequentemente aparece o conflito, pois a figura da mãe é dialética, amada e odiada ao mesmo tempo. Se essa luta persistir por algum tempo e não for bem resolvida, poderá influenciar de forma maléfica os futuros relacionamentos. Porém, se esse conflito puder ser vivenciado de forma tranquila pelo bebê, ou melhor dizendo, se ele sentir que pode amar e odiar sua mãe sem destruí-la e sem se destruir, o sentimento de amor vai crescendo e se tornará a manifestação das forças que tendem a preservar a vida.

Klein e Riviere (1970) afirmam que os primeiros vínculos estabelecidos pelas crianças são fundamentais para seu futuro adulto. “Se a criança não experimenta dose suficiente de felicidade nos primeiros anos, sua capacidade de desenvolver uma atitude de esperança, bem como de amor e confiança nas demais pessoas, há de ver-se perturbada” (p. 171).

Para a autora o vínculo estabelecido entre mãe e bebê, presente logo após o nascimento, vai evoluindo e transformando-se em amor propriamente dito. Nesses termos, a mãe não será mais tida como um objeto, mas sim, como pessoa. O mesmo ocorre com outras pessoas que compõem o mundo do bebê.

Com isso, podemos dizer que a noção do Eu é construída ao longo do processo de desenvolvimento e é formada por duas partes. Uma diz respeito às vivências iniciais mais gratificantes, que envolvem as relações de afeto e ternura, ou seja, experiências iniciais positivas irão formar a parte mais apreciada, aceita e amada da pessoa. Estas se acumularam em função dos encontros com as outras pessoas, especificamente, com a mãe. Porém, se a vivência inicial com os pais for repleta de incompreensão, agressividade e desatenção, esses sentimentos que serão internalizados, resultarão em figuras ameaçadoras no interior do bebê, as quais, consequentemente, formarão a outra parte do mundo interno, a não apreciada e, até mesmo, odiada por si mesmo. Portanto, o ódio, agressividade, amor e ternura são elementos preponderantes que compõem a estruturação e formação do Eu. Nesses termos, o ser humano é formado pelo amor e ódio, noções maniqueístas, vivenciadas em suas experiências iniciais. Os laços construídos entre o bebê e seus pais, primeiramente, precisam ser internalizados, isto é, transferidos para dentro do indivíduo, para, depois disso, ser possível reparti-lo com o mundo externo.

Se o amor não foi asfixiado pelo ressentimento, pelos agravos ou pelo ódio, mas foi solidamente firmado na mente, a confiança nos outros e a convicção na própria bondade são como rochedos que suportam os embates das circunstâncias. Então, quando a infelicidade se abate, o indivíduo cujo desenvolvimento processou-se de acordo com essas diretrizes é capaz de preservar em si mesmo a imagem desses pais bons, cujo amor constitui auxilio infalível em sua felicidade e pode encontra-lo novamente nas pessoas estranhas que, em sua mente os substituem (Klein & Riviere 1970, p. 175).

É importante notar que, para Klein e Riviere (1970), a capacidade de dar amor está diretamente ligada à de recebê-lo. Com isso se efetivando, a criança entra em contato com a primeira fonte de bondade e respeito do mundo externo. Tal relação dá margem ao descobrimento da reciprocidade. O bebê passa a sentir amor pela mãe. Porém, quando suas necessidades não são supridas, quando ele sente algum desprazer ou desconforto, quer destruir o responsável por isso e, a partir daí a voracidade, o ódio, desejos e fantasias de eliminar sua fonte de amor se afloram.

Nessas condições, vivenciando estados conflitivos de oposições (amor – ódio), a criança, depois de ter desejado a destruição, desencadeia o impulso de reparação, no qual tenta desfazer os danos imaginários que produziu contra seu objeto de amor: a mãe.

O impulso de reparação faz acalmar o desespero de ter provocado ou almejado a destruição do ser amado. Nessa fase, o amor do bebê e seu desejo de reparação, quando vivenciados de forma equilibrada, provocam uma agradável sensação de bem estar, a qual é projetada a outros objetos além da mãe, promovendo o início de vinculações grupais e sociais adequadas e positivas.

Segundo Klein e Riviere (1970), o ato de reparar alarga o alcance do amor e proporciona à criança aceitar as pessoas das mais diversas formas, visto que já vivenciou essas situações em seu interior, podendo absorver a bondade e o perdão existentes no mundo externo.

Se o bebê, em suas experiências, puder experimentar o amor, o ódio e o impulso de reparação, será mais provável que ele apresente um desenvolvimento pessoal sem grandes transtornos, dando origem a sentimentos de bem estar e prazer para si e nas relações com as outras pessoas.

Salienta-se que essas relações são importantes e servirão de modelo para os novos relacionamentos, mas não os determinarão, pois não se trata de relações causais, ou seja, não são estas experiências causas exclusivas de problemas ou traumas afetivos que venham a acontecer ao longo da vida da pessoa, porém elas exercerão papel muito importante para o desenvolvimento sadio do indivíduo.

Outro autor que estudou o amor na fase inicial da vida é René Spitz. Ele acredita que, para compreender a evolução da estrutura do eu, é necessário entender como o amor se manifesta na vida das pessoas, pois “é o afeto que abre o caminho do desenvolvimento, para a percepção e todas as outras funções” (Spitz, 1979, p. 87).

Spitz parte do pressuposto de que o ser humano, ao nascer, é uma totalidade psicológica indiferenciada, isto é, que vem ao mundo equipado com algumas tendências inatas (anlagem). Assim, as diferentes funções, estruturas e processos psíquicos vão sendo diferenciados progressivamente, ao longo do processo de crescimento e maturação. Utilizando essa referência, podemos entender o desenvolvimento como o surgimento e evolução de funções, formas e comportamentos que resultam das interações do organismo com o ambiente, e maturação como o desdobramento das funções filogeneticamente desenvolvidas, inatas, que emergem no decorrer do crescimento embrionário, ou que aparecem após o nascimento, como uma tendência (anlagem) manifestando-se em outros estágios da vida.

O processo de diferenciação e formação de estruturas psicológicas depende das tendências próprias de cada ser e de seus vínculos com o meio, sobretudo, com a mãe, pois esta é o primeiro e forte elo de contato com o mundo. A reciprocidade com a mãe, juntamente com o clima emocional positivo e amoroso, é muito importante, porque é dessa troca que a criança passa a ser capaz de construir sua estrutura psíquica, emocional e cognitiva. A figura da mãe, portanto, servirá de mediadora entre o mundo externo e interno de seu filho. Todas as percepções, conhecimentos, emoções e afetos experimentados pelo bebê serão descobertos por intermédio dela e, a partir disso surgirão a consciência e a personalidade.

Para Sptiz (1979), os bebês, até os três meses, respondem a algumas gestalts (configurações) específicas e apresentam respostas filogeneticamente inatas. Porém, essas respostas só progredirão de maneiras adequadas por meio de trocas afetivas recíprocas, circulares e contínuas com outro. Nessa fase, o amor e o afeto ganham um valor e importância muito grandes, maior do que em qualquer outro período.

De acordo com esse autor, o desenvolvimento de todas as funções psíquicas está diretamente associado às percepções, às trocas afetivas e amorosas ocorridas nas vivências dos bebês. É por meio dessas ligações amorosas vivenciadas que o bebê irá se transformar em um ser humano social.

O estabelecimento da afetividade e a posse de objetos de amor, na infância do ser humano, são experiências que criam as condições de se dar vazão a todos os impulsos e tendências que existem dentro de cada um. Quando há ausência de objetos de amor, os impulsos ficam desprovidos de alvo e não podem evoluir, voltando-se contra a própria pessoa, único objeto que percebe existir em sua vivência.

A privação de vínculos interpessoais e objetais de amor, no primeiro ano de vida, é muito prejudicial para o progresso emocional e psicológico futuro, pois promove o “estancamento” do crescimento do bebê. É como se a criança retornasse à fase totalmente apática e embrionária de vida. Em geral, essa situação provoca a depressão anaclítica (distúrbio decorrente da perda do objeto de amor no primeiro ano de vida). Se não cuidadas a tempo, as crianças acabam por sofrer danos irreparáveis em sua estrutura interna e, em casos mais graves, podem chegar à morte.

Outras consequências da privação afetiva são apontadas de forma bastante clara por Spitz (1979) quando afirma:

A ausência da mãe equivale à carência emocional … Isso leva à deterioração progressiva envolvendo toda a criança. Tal deteriorização manifesta-se primeiramente por uma interrupção do desenvolvimento psicológico da criança, iniciam-se então disfunções psicológicas paralelas a mudanças somáticas. No estágio seguinte, isso acarreta uma disposição crescente a infecções e finalmente quando a privação emocional continua no segundo ano de vida, leva a uma taxa extremamente alta de “mortalidade” (p. 246).

Se ausência afetiva ocorrer após o primeiro ano de vida, as consequências não são tão fortes, pois boa parte da estruturação do Eu já aconteceu. Neste caso, a criança já é capaz de utilizar alguns mecanismos de defesa que adquiriu e elaborou neste primeiro ano de vida, em função do amor e afeto que recebeu da mãe.

Em síntese, para Sptiz (1979), os vínculos positivos e amorosos instituídos nas relações objetais na infância são pré-requisitos para o aprimoramento e funcionamento normal da psique. Salienta-se que são condições necessárias, mas não suficientes para a organização plena da personalidade, pois a origem de todas as relações humanas está baseada nos vínculos estabelecidos entre o bebê e mãe. Os afetos e trocas afetivas têm um significado central, visto que é por meio dessas relações que se efetivam os modelos para as trocas interpessoais posteriores.

Ao entrarmos em contato com as principais ideias de Bowlby (1984), Klein e Riviere (1970), Sptiz (1979) e Erikson (1971), pudemos notar a importância dada aos vínculos iniciais entre mãe e bebê. Cada autor desenvolveu conceitos muito semelhantes para explicar a importância do amor no desenvolvimento do ser humano. Assim, concluímos que, de maneira simples e até “rudimentar”, todos estes autores apontaram para a importância fundamental do amor, para a formação integral da personalidade, assim como para o desenvolvimento de uma vida emocional saudável.

Como visto até aqui, o amor é condição fundamental para o nascimento ontogenético da pessoa. Ele participa ativamente da evolução e estruturação do Self, pois é capaz de aproximar a pessoa de sua essência, propiciando o desenvolvimento de relações sociais, dentre outras coisas. Nesse sentido, o amor é uma característica própria do ser humano, uma tendência inata da espécie e um dos responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento de todos.

Para se compreender melhor essa tendência inata do homem, é importante que se possa entender também o que significa a tendência do humano à vida e ao amor.

 

O amor e o florescer da tendência à vida

Na busca de uma compreensão mais ampla do amor, e consequentemente, do homem, faremos um breve retorno aos estudos das origens da espécie, utilizando uma ótica diferente: da etologia. A base de referência será a tese de Szent-Gyoergyi (1974), biólogo ganhador de Prêmio Nobel, que afirma que o Universo está em constante processo de sintropia -tendência sempre atuante em direção a uma ordem crescente e a uma complexidade tanto no nível orgânico como no inorgânico- e de entropia – tendência para a desordem ou deteriorização, ou seja, o universo está em constante construção e deteriorização. Tais processos causam movimentos contínuos de transformações, envolvendo inúmeros fatores que, inter-relacionados, promovem trocas constantes de energia com o ambiente, originando, em função desses movimentos, novos fenômenos e organismos.

Neste sentido, podemos dizer que a espécie humana é também produto desse processo, ou seja, é uma parte do universo em movimento. Sendo assim, na medida em que há nela a tendência sempre atuante para a vida, complexidade e desenvolvimento, há também, uma propensão para sua deteriorização. Esse é o processo que mobiliza e constitui todos os indivíduos, é uma tendência, uma capacidade de autodireção, auto-realização e de degeneração orgânica, com o passar do tempo. Em todos os organismos há um movimento constante e inerente no sentido de crescer e se superar, sendo esta característica que preside todas as funções dos e seres vivos.

Carl Rogers (1982, 1983) também partilha dessa ideia e acrescenta ainda que essas capacidades, inerentes ao indivíduo, possibilitam o crescimento contínuo e ininterrupto das suas potencialidades. Esse é um impulso para se expandir, estender-se, tornar-se autônomo e desenvolver-se o quanto (e enquanto) for apto biologicamente. Essa tendência auto-realizadora visa manter e nutrir o organismo até o seu desenvolvimento mais completo e complexo.

Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma minhoca ou de um belo pássaro de uma maçã ou pessoa, creio que estaremos certos ao reconhecermos que a vida é um processo ativo e não passivo. Pouco importa que o estímulo venha de dentro ou de fora, pouco importa que o ambiente seja favorável ou desfavorável. Em qualquer uma dessas condições os comportamentos de um organismo estarão voltados para a sua manutenção, seu crescimento e sua reprodução (Rogers, 1983, p.40).

Rogers (1983), a partir da citação acima, afirma que o indivíduo é capaz de se dirigir e tratar de maneira produtiva todos os aspectos da vida, desde que esteja em condições organismicas para tal. A esse processo intenso e autônomo é dado o nome de auto-atualização ou tendência à vida, que atua como um processo integrado de relações e trocas intensas com o ambiente. Vale ressaltar, que essa tendência pode ser facilmente frustrada, mas nunca destruída, a não ser que se destrua o organismo.

Nessa direção, Rogers e Stevens (1976), afirmam que tal tendência pode ser perturbada, particularmente, na primeira infância e, sobretudo, se as condições do meio forem desfavoráveis, no que diz respeito à ausência de liberdade e ao desamor, resultando em manifestações de agressividade. Nesse caso, a auto-realização fica impedida de se manifestar. Uma pessoa que não se sente aceita e nem amada, passa a viver buscando tais sentimentos, está em constante “luta” para conquistar esse afeto, promovendo um grande desgaste de sua energia e, assim, o desenvolvimento emocional acaba sendo prejudicado. Mas, por outro lado, se o ambiente apresentar condições afetivas, como: aceitação incondicional, amor, liberdade, relações desprovidas de ameaças, a predisposição à autorrealização tem diversas possibilidades de se manifestar.

Com isso, de acordo com Rogers (1982), a aceitação incondicional e a necessidade de receber amor são consideradas forças motrizes e reguladoras do organismo. Para a criança, o amor e afeto que lhe são dados representam fontes de grandes satisfações, comportando-se para consegui-los por serem tão importantes para seu processo de crescimento e evolução.

Como o desenvolvimento da noção do Self se dá através das relações estabelecidas entre mãe e bebê, que formam o campo experiencial e avaliativo, e vão representar parte do mundo particular da criança, podemos dizer que é através do amor (aceitação incondicional) que o Self se desenvolverá.

Erick Fromm (1965) também partilha da ideia de que o homem apresenta uma tendência inata denominada de Biofilia. Palavra que significa “amor à vida” é, em suma, uma orientação que se manifesta na pessoa saudável, uma necessidade do ser humano para se integrar, unir-se com entidades diferentes e opostas, a fim de se tornar mais complexo e crescer de forma estrutural. Quando, por qualquer razão, essa tendência falha ou, quando as condições às quais a pessoa está submetida não são apropriadas, surge um fenômeno destrutivo e crescente decorrente da não realização dessa potencialidade primária. Surge a necrofilia. O desejo de transformar o orgânico em inorgânico é uma característica deste fenômeno e sua máxima realização está em destruir tudo que seja e esteja vivo. A necrofilia se constitui em uma orientação para a destruição, para a desintegração e separação de tudo, é a oposição completa à vida. Trata-se de uma tendência secundária, que surge quando o indivíduo sente sua vida ameaçada.

Fromm (1983) ressalta que a biofilia é uma predisposição inata e sempre se desenvolve quando existem condições apropriadas para a vida, ou seja, quando as necessidades básicas de vida estejam minimamente satisfeitas. Na medida em que a criança expande a capacidade de expressar seus comportamentos e sentimentos sem grandes ameaças, a biofilia tende a se desenvolver sem maiores dificuldades, principalmente, se a mãe ou o adulto cuidador estabelecer uma relação de cuidado amoroso e verdadeiro.

Não obstante, a falta de amor, atenção e cuidado criam condições de carência no indivíduo, inibindo o desenvolvimento de atitudes produtivas em relação ao mundo. Nessas circunstâncias, são ativados os mecanismos secundários de agressividade e destruição voltados para objetos que, de alguma forma, negaram o aconchego e carinho necessários para o crescimento do indivíduo. O desenvolvimento dessa tendência secundária, a necrofilia, acontece para defender o indivíduo da agressão que o mundo lhe oferece, na tentativa de salvaguardar a vida, “é uma solução para a vida que se acha em oposição completa a própria vida” (Fromm, 1965, p. 48).

A biofilia (instinto de viver), como já foi dito, é ativada pelo amor, que promove, entre os indivíduos e o mundo, relações produtivas. Suas principais características são a responsabilidade, desvelo, respeito com o outro e consigo, objetividade nas ações do sujeito, clareza, sinceridade, desejo de realização, evolução e, além disso, promove o crescimento de forma plena.

O amor, para Fromm, representa o aspecto positivo e produtivo que o ser humano desenvolve na vida, possibilitando o aperfeiçoamento das potencialidades básicas existentes na pessoa como atualizar-se e realizar-se.  Não se pode deixar de salientar que o amor à vida é contagiante, por essa razão é necessário as crianças estarem com pessoas que amem e valorizem a vida, que sejam afetuosas, cordiais, que tenham respeito por ela enquanto ser e não enquanto objeto, pois precisam de liberdade para se expandir sem grandes ameaças.

Considerações finais

A relação inicial do bebê com um adulto cuidador foi considerada, por autores como Bowlby, Klein, Spitz, fundamental para o desenvolvimento da criança. É através dessa relação que o bebê irá estabelecer contato com o mundo e estará formando sua estruturação interna. Assim, o bebê precisa de atenção constante para a satisfação das necessidades básicas de alimentação, segurança e afeto, visto que o ser humano tem como propriedade exclusiva da espécie nascer imaturo, sem recursos naturais para sobreviver, necessitando do cuidado atento e dedicado de um adulto. Portanto, se experiência inicial for de afeto, respeito, cuidado, buscando a satisfação das necessidades fundamentais da criança, será muito maior a possibilidade da constituição de seres saudáveis, produtivos e capazes de estabelecer vínculos psicológicos e amorosos. Isso significa que a relação afetiva estabelecida no início da vida é essencial para a constituição de uma estrutura pessoal interna organizada e saudável, assim como é o que possibilita o nascimento psicológico da pessoa, dando origem a sua existência interna.

Ao passo que tal relação se efetiva na primeira infância mãe se torna a base de referência da criança, que quando se sente amada, é capaz de desenvolver toda sua capacidade ativa de amar, tendo, assim, mais condições de desenvolver confiança interna o que poderá elevar sua estima.

Sptiz (1979) também coloca o amor maternal em posição de destaque, em sua teoria. Essa manifestação do amor é a origem de todas as relações humanas, pois é por meio dela que se estabelece o modelo para as relações interpessoais e amorosas posteriores. Por outro lado, devemos ressaltar que o amor maternal é condição necessária, porém não suficiente para a formação e desenvolvimento pleno e organizado da psique humana.

Encontramos em Fromm (1971) destacada a importância do amor, que acontece na relação inicial dos seres humanos, pois é através dele que a tendência inata do ser humano, a Biofilia (tendência primária de ir sempre em busca da vida e de sua realização plena), tem condições de acontecer. Quando, nas primeiras relações, o bebê sentir o cuidado amoroso, verdadeiro e protetor de um adulto, ele poderá aperfeiçoar suas potencialidades primitivas de crescer, integrar-se e de preservar a vida. Assim, o amor, na fase inicial da vida, é elemento fundamental para o desabrochar da biofilia, que promove o desenvolvimento do aspecto produtivo e positivo do ser humano.

Por outro lado, se não houver relações amorosas consistentes nessa fase inicial da vida, serão ativados mecanismos secundários de agressividade e destruição, a necrofilia (atração por tudo que não tem vida). Logo, o bebê se volta contra os que, de alguma forma, negaram o cuidado, atenção, ternura, aconchego e carinho que lhe eram devidos. Tal mecanismo nasce na pessoa como uma defesa das agressões recebidas. Com este elemento ativado, ela tenta destituir de vida tudo aquilo que se aproxima, tornando suas relações futuras frias e sem afeto.

A importância do amor na etapa inicial da vida foi ressaltada por uma pesquisa realizada por Russek e Schwartz (1997) em Harvard. Eles realizaram um estudo longitudinal, com o início na década de 50, e avaliaram 126 homens saudáveis que deveriam responder como eram seus relacionamentos e descrevê-los. As respostas foram classificadas e codificadas como: (1) muito próxima; (2) calorosa, terna e amiga; (3) tolerante e (4) tensa e fria. Trinta e cinco anos depois, esses mesmos sujeitos foram analisados, por intermédio de um histórico médico e psicológico. Os resultados foram espantosos. 100% dos participantes cujos relacionamentos com os pais foram considerados pouco calorosos, frios e tensos, tiveram doenças diagnosticadas na meia idade, e apenas 47% dos que tinham relacionamento considerado muito próximo, caloroso e íntimo com os pais tiveram doenças diagnosticadas. Os pesquisadores puderam concluir que: “… a percepção do amor … pode vir a ser um preventivo central biopsicossocial, reduzindo o impacto negativo dos agentes patogênicos e reforçando a função imunológica e a cura” (Russek, & Schwartz, 1997, p. 149). Essa pesquisa vem reforçar ainda mais a importância do amor na primeira infância, mostrando ser este um fator preditivo da saúde da pessoa.

Outra pesquisa, que fortalece a ideia de ser o amor fundamental para o desenvolvimento interno saudável, foi realizada por Raine, Brennan e Medink (1994) na Universidade de Los Angeles. Essa pesquisa visava estudar os comportamentos violentos de adolescentes, para tal, acompanharam 4.269 sujeitos masculinos, nascidos em um mesmo hospital em Copenhagen, durante dezoito anos. Ao final da mesma, descobriram que o principal fator de risco para se tornarem criminosos violentos aos 18 anos era a associação de complicações no parto com separação precoce ou rejeição pela mãe. Tudo isso nos faz concluir que a violência está diretamente relacionada a um problema inicial de relacionamento afetivo ou amoroso, que envolve a percepção de falta ou de deficiência de amor nessa fase.

Esta pesquisa vem ao encontro da ideia de que a possibilidade de dar amor está diretamente ligada à de recebê-lo, como afirmam Klein e Riviere (1970). Se a criança sentir o respeito, bondade e ternura do mundo através de suas relações iniciais, aprenderá a conviver com o sentimento de amor. Porém, quando a criança é rejeitada e suas necessidades não são satisfeitas surge o desprazer, a dor que resulta em ódio, fazendo aflorar a agressividade, violência e o desejo de destruir o que estiver em volta.

É importante ressaltar que a capacidade de amar está presente no nascimento, mas para florescer exige a maturação da consciência e da experiência de aceitação, carinho e prazer que surgem através do contato inicial da criança com um adulto que lhe cuide.

Entretanto, não podemos nos esquecer, que o ser humano para se desenvolver não necessita apenas do cuidado de um ou mais adultos que satisfaçam suas necessidades fisiológicas e emocionais. As interações estabelecidas com a cultura são fundamentais para o desenvolvimento, de relações interpessoais, habilidades sociais, as quais servirão de referência para o processo de socialização e para a própria organização dos sistemas sociais que, segundo Maturana (1998), são sistemas de convivência que se formam a partir do amor, emoção que constitui o espaço de ações e aceitação do outro na convivência.

Essas relações, portanto, promovem experiências de troca com o ambiente e com o grupo, e à medida que essas trocas acontecem, vão surgindo novas sensações, emoções e cognições, que se traduzem em novas experiências e referências. Por essa razão, podemos dizer que as vinculações promovem um complexo processo de transformação e evolução pessoal e social, que se manifestam ao longo de toda a vida.

Dessa maneira, podemos dizer que quanto mais nos relacionamos, mais exercitamos nossa capacidade de amar, assim ampliamos a possibilidade de amar. Ressaltamos o termo exercitar, pois a capacidade de amar é uma potencialidade que todas as pessoas possuem, porém seu desenvolvimento depende, prioritariamente, das relações estabelecidas, principalmente, no início da vida e das interações cooperativas entre as diferentes pessoas que formam o sistema social de convivência.

Após essas análises sobre a influência do amor nas relações iniciais, é importante que se faça uma reflexão profunda sobre a maneira como vêm se estruturando os relacionamentos interpessoais (principalmente entre mães e bebês), inseridos em nossa sociedade ocidental e capitalista nas últimas décadas.

Com relação a isso, constatou-se que, desde a revolução industrial, as relações sociais mudaram muito. A atenção voltou-se para o desenvolvimento tecnológico, as mulheres passaram a ser requisitadas pelo mercado de trabalho, e autoridade patriarcal esteve prestes à desintegração, devido à influência do protestantismo. Recentemente, surgiu o movimento feminista que exigia a igualdade entre homens e mulheres, provocando a crise da família nuclear, o desmame precoce dos bebês, relações cada vez mais competitivas e pouco colaborativas, dentre outros.

Em consequência disso, houve mudanças nas atitudes femininas e masculinas. As mulheres parecem ter abdicado de algumas de suas funções mais importantes, por exemplo, amamentar e estabelecer relações de afeto e amor com sua prole. Vale a pena refletir sobre o afastamento das pessoas, das famílias e, principalmente, das mães no que diz respeito aos aspectos afetivos. Esse distanciamento, sem muita organização nem intenção, provavelmente, prejudicou o desenvolvimento da psique humana.

É importante salientar o alerta de Spitz (1979), quando afirma que crianças, que tiveram suas relações de amor perturbadas em sua formação, põem em risco a base da sociedade. Sem vínculos básicos de amor, elas não organizam adequadamente as estruturas psíquicas, apresentam dificuldades de integração e, mais tarde, deficiência na capacidade de se relacionar. Tornam-se pessoas emocionalmente mutiladas e, certamente, incapazes de compreender, descobrir e partilhar laços repletos de nuances que talvez nunca tenham experimentado.

Muitas dessas transformações sociais se combinaram, e criaram o cenário atual onde se percebe uma clara desintegração amorosa e afetiva. Por conseguinte, estamos vivendo o aumento significativo da delinquência juvenil e uma crise de violência na sociedade como um todo. É cada vez mais evidente a falta de vinculações interpessoais, o crescente desinteresse pelo bem estar do outro e o isolamento cada vez maior dos indivíduos. Nota-se também o aumento e precocidade no consumo de drogas, a elevação do número de assassinatos cometidos por adolescentes, que, supostamente, não conseguem lidar com as frustrações naturais de seu cotidiano.

Portanto, a falta de afeto tem efeitos desastrosos em nosso meio social, segundo Spitz, pois quando as crianças são:

Privadas do alimento afetivo que lhes era devido, seu único recurso é a violência. O único caminho que lhes permanece aberto é a destruição de uma ordem social da qual são vítimas. Crianças sem amor terminarão como adultos cheios de ódio (Spitz, 1979, p. 263).

Para nós, é assustador participar deste momento histórico e percebermos que, se nada for feito para alimentar nossas crianças de amor e afeto, o prognóstico não será nada animador. Se desejamos uma sociedade mais equilibrada, com pessoas integradas e auto-realizadas, é necessário que haja um pouco mais de dedicação e atenção aos afetos que existem dentro de cada um. A energia afetiva e amorosa deve ser mobilizada, principalmente nos primeiros anos de vida, já que motiva o indivíduo para a realização de suas tendências mais plenas. Acreditamos que essa mobilização poderá contribuir para uma sociedade mais equilibrada, melhor, mais feliz e menos violenta.

Assim, foi possível observar que diferentes autores ressaltam a importância do amor na constituição da pessoa humana e que ele participa ativamente do nascimento ontogênico do ser. Com isso, concluiu-se que ligação afetiva forte, estabelecida no início do desenvolvimento da espécie humana entre dois ou mais indivíduos, é sua fonte de vida individual e social. Tais constatações nos deixaram entusiasmadas e motivadas a prosseguir no caminho da compreensão da essência do amor, pois percebemos de forma mais clara sua importância na formação e desenvolvimento da pessoa. Contudo, ainda estamos muito longe de desvendar os mistérios do amor, pois sabemos que ele é muito complexo, subjetivo e possui inúmeras vertentes, dimensões e tipologias. Por isso, podemos dizer apenas que demos inicio a sua revelação.

Referências

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Szent-Gyoergyi. A. (1974). Drive in living matter to perfect itself. Synthesis, Spring.12- 24.

 
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